Com o constante desenvolvimento dos sistemas de produção animal, novas tecnologias surgem diariamente para atender às diversas demandas de animais e produtores de forma a atingir níveis cada vez maiores de produtividade e qualidade.
Entretanto, no que diz respeito ao Bem-estar Animal (BEA), fator essencial dentro de uma produção agrícola sustentável, muitos aspectos ainda precisam ser desenvolvidos, no Brasil e no mundo. E mais do que a adoção de medidas e a tomada de ação, é preciso maior discussão e difusão de informações por parte de todos os envolvidos, em especial, na cadeia do leite.
O descompasso que ainda existe entre o BEA e os outros fatores que compõem a criação de animais é, em parte, por conta do desconhecimento de produtores e técnicos a respeito das práticas corretas e éticas de BEA.
Já quando se trata da relação humano-animal, ainda muitos pesquisadores não a reconhecem como valiosa. Muitas vezes, os animais são encarados como máquinas (Hemsworth & Colemam, 1998) e os seres humanos como ferramentas do processo produtivo.
Contudo, os colaboradores possuem papel fundamental na criação e no cuidado de animais. Como já foi discutido em artigos anteriores pela pesquisadora Fernanda V. R. Vieira (https://www.milkpoint.com.br/radar-tecnico/bemestar-e-comportamento-animal/bemestar-do-trabalhador-ferramenta-importante-visando-o-bemestar-animal-89108n.aspx), as ações exercidas por colaboradores no manejo têm impacto direto sobre o BEA. Dessa forma, essa relação pode afetar, positiva ou negativamente, o andamento do negócio.
Na criação de bovinos de leite, suínos e aves, a maior ocorrência de atitudes positivas pelos colaboradores e manejadores está associada com maiores ocorrências de interações positivas entre os animais, assim como maiores níveis de bem-estar dos mesmos. (Cransberg et al., 2000; Coleman et al., 2000; Hemsworth et al., 2000).
E essas atitudes positivas estão intimamente ligadas ao bem-estar desses indivíduos. Colaboradores satisfeitos, felizes e motivados, estarão mais conscientes e dispostos a melhorar hábitos e adotar práticas corretas de BEA. Para tanto, eles precisam ter suas necessidades atendidas, como moradia, segurança, sentimento de responsabilidade e autorrealização.
Por outro lado, um colaborador desanimado ou insatisfeito poderá influenciar negativamente o BEA e o andamento de uma propriedade animal (Figura 1). Logo, é essencial compreender todos os aspectos da vida de cada indivíduo envolvido no processo de produção, a fim de atingir melhores níveis produtivos e de bem-estar, animal e humano.
Algumas dessas atitudes positivas e negativas mais comuns de acontecerem no manejo de animais em uma propriedade leiteira podem ser visualizadas abaixo (Quadro 1).
Grande parte da produção nacional de leite origina-se de pequenas e médias propriedades leiteiras que mantêm suas vacas em pasto. Neste cenário, muitos são os desafios ao enriquecimento do nível de BEA e dos colaboradores, tais como a dificuldade de encontrar ambiente propício ao bem-estar do trabalhador/colaborador (BET) e o pouco acesso à informação técnica para aqueles que trabalham diretamente com bovinos.
Dessa maneira, para superar esses desafios e obstáculos, além da continuidade de pesquisas relevantes nessa área, é essencial maior integração de todos os elos das cadeias de produção animal. Produtores, pesquisadores, consultores, governo, indústria e consumidores precisam trabalhar conjuntamente nesse sentido.
Quando se trata de BEA e BET, as mudanças em uma propriedade não são instantâneas, porém não são impossíveis. Na verdade, esses aspectos podem ser melhorados apenas “fazendo-se o certo”, já que em muitos casos, problemas ligados ao BEA e ao BET são frutos de ações e tomadas de decisão equivocadas. Algumas possíveis ações são:
- Inspeção do ambiente e dos animais: nº de pontos de água limpa é suficiente? Há presença de sombra adequada no pasto? As vacas estão muito magras? O nível de CCS está controlado? Há vacas machucadas ou mancando? Para essas e outras verificações, sugere-se a consulta de um profissional especializado em BEA;
- Avaliação da rotina e das condições de trabalho dos colaboradores;
- Oferta de treinamentos em BEA aos colaboradores que envolvam explicações teóricas sobre os animais, manejo, importância e benefícios do BEA, assim como, demonstrações práticas e espaço para que os colaboradores participem e aprendam ativamente;
- Procurar o maior engajamento dos colaboradores, por meio da participação, do envolvimento e da atenção que pode ser conferida a eles.
Baseando-se nessas considerações fica aqui o nosso alerta: é importante investir na alta estima dos colaboradores para que os resultados possam ser direcionados para o sistema produtivo, por meio do interesse, comprometimento e parceria dos mesmos, que sem sombra de dúvida são elementos fundamentais nesse processo.
Referências bibliográficas
Burton, R.J.F.; Sue, P.; Mark, H. C. Building ‘cowshed cultures’: A cultural perspective on the promotion of stockmanship and animal welfare on dairy farms, Journal of Rural Studies, 28, p. 174 – 187, 2012.
Coleman GJ, Hemsworthy PH, Hay M, Cox M (2000) Modifying stockperson attitudes and behaviour towards pigs at a large commercial farm. Applied Animal Behaviour Science 66:11-20
Cransberg PH, Hemsworth PH, Coleman GJ (2000) Human factors affecting the behaviour and productivity of commercial broiler chickens. British Poultry Science 41:272-279
Hemsworth, P.H.; Coleman, G.J. Human-livestock interactions: the stockperson and the productivity and welfare of intensively farmed animals. London: CAB International, 1998. 140p.
Hemsworth PH, Coleman GJ, Barnett JL, Borg S (2000) Relationships between human-animal interactions and productivity of commercial dairy cows. J Anim Sci 78:2812-2831